Daron Malakian abre o jogo sobre o System of a Down e detalha conflitos artísticos

Em nova entrevista à Kerrang! Magazine, Daron Malakian falou sobre sua vida pessoal, assuntos internos envolvendo o System of a Down e também sobre o Scars on Broadway. Confira a matéria na íntegra:
A cada duas semanas, Daron Malakian visita a Disneylândia. Junto com sua namorada Gayane, ele passeia pelo parque de diversões de Anaheim, Califórnia, embarcando em passeios e se maravilhando com as belezas da Walt Disney.
Entre os meses de outubro e abril, ele dirige para o Staples Center, no centro de Los Angeles, para assistir ao time de hockey no gelo da cidade, o LA Kings, no qual ele tem ingressos para a temporada. “Isso me tira de casa duas ou três noites por semana”, ele diz. O homem de 44 anos vê sua família aos domingos, e a maioria das noites sai para jantar com sua parceira. Ele fica acordado até tarde e, depois que Gayane se deita, às duas ou três da manhã, ele se recolhe para um quarto em sua casa, onde toca e escreve músicas.
“Eu sou uma espécie de eremita”, diz. “Eu não tenho um grupo de amigos com quem eu confraternizo. Não vou a casas de strip ou faço outras coisas que as pessoas imaginam que um músico de rock faria.”
Faz um quarto de século desde que Daron Malakian formou o System Of A Down, a banda de metal mais brilhante e surpreendentemente original dos últimos e não tão recentes tempos. Mas, apesar de vender milhões de álbuns, o mandato do grupo como artistas de gravação durou apenas sete anos e terminou com o lançamento do álbum Hypnotize, em 2005, o quinto deles. Desde então, para o grande desgosto de seu membro fundador, o System Of A Down se tornou um ato de herança, que excursiona apenas esporadicamente e não grava nada. Podemos até ser justos em chamá-los de “vaca leiteira”. Os ingressos para a turnê nos EUA no ano passado custaram até 160 dólares.
O resultado de tanta rotação foi a mudança dos fãs das músicas de Daron Malakian. ‘Dictator’, segundo álbum de seu projeto paralelo, Scars On Broadway, foi a primeira música assinada em seu nome em uma década. O guitarrista e compositor não se desculpa por isso – “Eu escrevo música constantemente, mesmo que ninguém possa ouvi-las”, ele diz – mas admite que é bom voltar às origens. “É até bom fazer entrevistas”. Complementa: “Quase não conversei com ninguém nos últimos dez anos”.
Você nasceu em Hollywood de pais que emigraram do Iraque. Quando criança, você estava ciente da história por trás de sua família?
Quando criança, eu sabia que havia guerra no Iraque. Houve a guerra Irã-Iraque. A família que meus pais deixaram para trás ainda fazia parte disso; meus tios e alguns de meus primos eram na verdade soldados naquela guerra. Então eu sabia que eles vieram de um lugar onde as coisas não eram tão estáveis. Meus pais eram artistas quando moravam no Iraque. Meu pai era bem conhecido por suas coreografias de dança, e minha mãe era formada em arte e lecionava na universidade. Então eu sabia que eles deixaram uma vida para trás. Percebi que eles deixaram muito para trás como artistas para vir para os Estados Unidos. Minha mãe trabalhou em um banco por quase 30 anos, enquanto meu pai teve muitos empregos estranhos. Então isso tocou na minha mente. Se você tivesse me perguntado quando eu tinha cinco anos o que queria fazer da minha vida, a resposta teria sido fazer o que faço agora. Quando eu era jovem, eu sabia que queria fazer música e tocar em uma banda. Eu senti que era o destino que meus pais desistiram de suas artes e vidas para vir a este país para que eu pudesse deixar minha marca. Isso foi um fator primordial para mim.
Quando adolescente em Hollywood, que amava Kiss e Judas Priest, você imaginaria que iria desfrutar de privilégios que pessoas de muitas partes do mundo não tiveram?
Isso realmente me impressionou quando o System Of A Down já havia iniciado. Eu estava em nosso ônibus de turnê e estávamos viajando por Baltimore; era muito cedo e o sol estava nascendo. Eu vi a cidade e pensei tipo “Cara, estou sentado aqui nesse ônibus de turnê, vivendo o sonho que sempre quis”. Me virei para um dos meus amigos que estava no ônibus e eu raciocinei: “Minha vida teria sido tão diferente se meus pais não tivessem se mudado para os Estados Unidos”. Eles tinham irmãos, irmãs e pais que não fizeram essa mudança. Estou sentado em um ônibus como membro de uma grande banda de heavy metal quando a alternativa era que eu poderia ter sido um soldado de Saddam Hussein. Isso realmente me atingiu e me senti incrivelmente afortunado pelo que meus pais fizeram. Se eles não tivessem se mudado, eu poderia ter sido um combatente nas guerras, e Deus sabe como isso iria acabar.
Você formou o System Of A Down em 1994. Quanto tempo levou para a banda ganhar força?
O System Of A Down raramente tocou em algum local vazio. Acho que somos um pouco mimados quando se trata disso. Tocávamos com muitas bandas grandes em Los Angeles, então em um ano ou dois as pessoas reconheceram que o que estávamos fazendo era diferente e único. Naquela época, as gravadoras ainda não queriam assinar conosco, mas tínhamos um enorme número de seguidores na cidade, pessoas que ainda nos mencionam. Mesmo antes de sermos uma banda de contrato assinado, ruas inteiras precisavam ser fechadas quando tocávamos. Eles fechavam quadras inteiras porque havia muitos jovens que compareciam nos clubes de shows. As gravadoras relutaram em assinar conosco, porque não achavam que um grande número de fãs no Sunset Strip, na Califórnia, iria de encontro a um público no Texas ou em algumas partes da Europa. Eles pensavam que não seríamos compreendidos. Pessoas de todos os tipos me davam conselhos sobre como mudar nossas músicas para sermos contratados, mas eu estava convencido de que estávamos fazendo a coisa certa. Bandas que não tinham nada parecido com os nossos fãs estavam sendo contratadas, mas eram brancas e não armênias. No entanto, esperamos a nossa vez e deu certo.
Você finalmente despertou a atenção de um dos grandes ícones da música, Rick Rubin. Que papel ele desempenhou na história do System Of A Down?
Rick surgiu no final do nosso período de dois ou três anos tocando nos clubes. Até então, houve um burburinho com alguns rótulos; alguns deles estavam nos levando para jantar e querendo que assinássemos com eles. Mas Rick nos viu uma vez no Viper Room, um pequeno clube na Sunset Boulevard, e nós o conhecemos. É engraçado, lembro-me de estar em um carro com o Shavo muito antes da banda ser contratada e me recordo dele dizendo que, em um mundo ideal, ele gostaria que Rick Rubin produzisse nossos álbuns. Isso foi algo que conversamos três anos antes, quando nem tocávamos em clubes. Então, Rick viu a banda e, segundo ele, riu muito, mas de uma maneira positiva. Nós estávamos realmente animados naqueles dias – eu provavelmente usava um moicano rosa ou algo assim. Mas ele se apaixonou pela banda, e decidimos assinar com o Rick. Até hoje, se eu precisar de algum conselho, ele ainda está lá. Eu posso mandar uma mensagem para ele a qualquer momento.
System Of A Down se tornou uma banda multi-platina. Foi edificante poder fazer músicas tão fora do comum e encontrar um público com números tão vastos?
Sim! Provamos algo para as pessoas que pensavam que não podíamos chegar a lugar algum e, é claro, é bom provar que as pessoas estavam equivocadas. Sempre me senti confiante de que o que estávamos fazendo era bom e original, que estávamos fazendo algo que ainda não havia sido feito e que podíamos chegar lá. Nunca senti que tínhamos que mudar alguma coisa. Desde o início, eu estava convicto.
O System Of A Down viajou em turnê pelos Estados Unidos com o Metallica em 2000 e você substituiu James Hetfield, que havia machucado as costas. Como foi isso?
Foi surreal. Eu aprendi a tocar no meu estilo tirando músicas do Metallica em uma pequena garagem com dois ou três outros caras. Desta forma eu conheci as músicas. Hetfield se machucou, não estava lá [em parte da turnê], nós éramos a banda de abertura em um line-up que tinha cinco ou seis bandas. Até então, eu nunca tinha encontrado o Metallica. Tocamos tão cedo que, enquanto estávamos no palco, eles ainda nem haviam aparecido no local. Eu estava assistindo eles em uma das noites e eles estavam meio que se esforçando. O baixista Jason Newsted estava cantando e não estava indo bem. Então, me virei para o meu técnico de guitarra na época e disse: “Ei, quer conversar com o pessoal e dizer que estou disposto a ajudá-los se eles precisarem de mim?”. O resto da história você sabe: Coloquei uma Les Paul nas minhas costas e entrei no palco com o Metallica – não sei se eles sabiam quem eu era – e perguntaram: “Quais músicas você conhece?” Respondi: ‘Master Of Puppets?’ Então, Lars considerou isso e lá estava eu na frente de 60.000 pessoas tocando com o Metallica. Depois, viajei no jato particular dos caras para o próximo show e toquei com eles novamente. Eu nunca vou esquecer disso. Foi muito surreal.
System Of A Down atualmente existe de uma forma estranha. É cruel dizer que é um tipo de franquia que existe apenas para ganhar dinheiro?
Não, porque gostamos de tocar as músicas e gostamos de sair em turnê. Nós nos divertimos fazendo isso. Quando se trata de fazer outro disco, existe apenas uma maneira padrão que o System usa ao fazer álbuns, parte da banda quer fazer um álbum dessa maneira e existe, eu acho, um de nós que não quer gravar um álbum dessa forma, querendo fazer um material adequado à sua maneira. E nem todos estão de acordo com isso. Esse tem sido o problema. Eu tenho materiais para um novo álbum do System Of A Down. No momento, se todos se reunissem e estivessem prontos para tocar o barco, eu teria um álbum pronto. Se dependesse de mim, o System nunca teria entrado em hiato.
Preenchendo os espaços que você deixou em branco, você está falando sobre um conflito criativo, e não pessoal, entre você e o vocalista Serj Tankian, certo? Como isso será resolvido?
Pode nunca ser resolvido, ou pode ser, mas até agora não foi. Houve um tempo em que eu levaria isso um pouco mais para o lado pessoal, atualmente não mais. Tivemos muitas reuniões sobre isso. Não quero jogar o Serj embaixo de um ônibus – ele é meu amigo e alguém que me importo – mas não sei como mudar a mentalidade dele. Todos nós sentamos e fizemos reuniões, mas ele está totalmente convicto em seu modo de pensar. Serj nunca foi realmente um cara do rock ou do heavy metal. Não sei se ele tem o mesmo amor por esse tipo de música que eu. Eu sou o cara que cresceu com Slayer e Kiss nas minhas paredes. Sempre quis ser como eles algum dia. Serj não cresceu se sentindo assim. Ele não cresceu como um fã obstinado. Então, sinto que toda a experiência de se tornar o vocalista de uma banda de enorme sucesso foi diferente para ele comparado a mim.
Como resultado do hiato, na última década você colocou 12 novas músicas de Daron Malakian em domínio público. Isso é um crime.
Por que?
Porque não é suficiente. Você é um escritor prolífico cuja música quase nunca é ouvida.
Sim. Muito disso está relacionado ao System. Eu poderia lançar uma música como System Of A Down e seria um negócio maior do que se eu a lançasse como uma música do Scars On Broadway, mesmo que fosse a mesma música, a mesma melodia, a mesma letra, a mesma coisa. Mas, com o Scars On Broadway, não é grande coisa. E isso me faz pensar que é engraçado que as pessoas escutam músicas da mesma maneira que escolhem um par de jeans. Tornou-se como uma marca. Acredito que bandas são como marcas, e isso é meio frustrante para mim. Sendo honesto com você, Serj nem queria fazer os dois últimos álbuns do System Of A Down, o ‘Mezmerize’ e ‘Hypnotize’. Nós realmente imploramos para ele fazer esses discos. Naquele momento, ele sentiu como se estivesse fora da banda.
Quando o Scars On Broadway surgiu na década passada, o projeto foi recebido com entusiasmo, mas você o desconectou muito rapidamente. Por quê?
Porque eu percebi que minhas músicas não estavam recebendo o mesmo amor, pois não eram tocadas pelo System Of A Down. Ninguém sabia que, quando entramos em hiato, ele iria durar por tanto tempo. Eu nem queria que o System fizesse uma pausa. Se você estivesse falando comigo naquela época, eu diria que faríamos uma pausa de três ou quatro anos. Essa é a minha maior frustração. Eu pensava: “Por que estou começando essa coisa totalmente nova? Vou fazer uma pausa por alguns anos e depois voltaremos com o System Of A Down”. Esse modo de pensar me impediu de lançar um álbum por 10 anos, porque a cada ano a discussão sobre como fazer um novo disco do System sempre voltava à tona. Fiz do System Of A Down a minha prioridade. Caramba, formei a banda! Era meu bebê, e fiquei leal a isso. Por causa desse compromisso, eu não publiquei músicas por 10 anos, apesar de sempre estar escrevendo muitas coisas. Eu tenho uma tonelada de materiais.
E desta vez, o que mudou?
Eu tenho uma melhor compreensão sobre o rumo das coisas e isso meio que me transformou. Também passou muito tempo, o que me curou um pouco. Sinto que agora é um momento melhor para eu trabalhar com o Scars do que em 2008.
O ‘Dictador’ é uma complemento digno ao seu corpo de trabalho?
Sim, caso contrário, eu não teria lançado. Eu já provei que estou disposto a segurar as músicas. Eu tenho que ser fã da minha música antes que alguém seja fã. Sou muito duro comigo mesmo e sou muito difícil de impressionar. Se estou impressionado com o que fiz, geralmente outras pessoas também ficam impressionadas.
Por escolha própria, você tem um tipo de vida muito privada. Você é feliz assim?
Sim. Eu faço coisas, mas não o tipo de coisa que as pessoas esperam de um músico de rock. Compor músicas continua sendo algo de maior importância para mim. Mesmo que ninguém ouça, eu ainda faço. Sem música, eu me sentiria completamente inútil. Eu me concentro na arte e minha arte passa a ser composição. Quero escrever músicas das quais me orgulho, e é isso que me emociona. É para isso que vivo.
Por fim, a causa que o System Of A Down esteve mais associado é o genocídio armênio de 1915. Em sua opinião, qual foi sua contribuição para a causa?
Acho que algumas pessoas ao redor do mundo que não tinham conhecimento sobre isso passaram a conhecer através do System Of A Down. Somos uma das poucas pessoas com a oportunidade de falar sobre o genocídio armênio em um palco. Existem outros armênios famosos, mas eu não acho que eles são muito sinceros sobre isso. Muitos armênios me agradecem, mas para mim não é algo que mereça agradecimentos. Seria errado se eu não fizesse isso, dada toda estrutura que temos. Estou muito orgulhoso da contribuição que fizemos para essa causa. Não é algo que você aprenderá nos seus livros de história, e acho ótimo termos encontrado uma rota diferente para conversar sobre o que realmente aconteceu.