Serj Tankian fala sobre o System of a Down e histórias pessoais

Por Arun Rath | NPR Music.

Aqui está uma citação sobre a superlotação das prisões: “Todas as políticas de investigação de drogas bem sucedidas mostram que o tratamento deve ser aumentado e a aplicação da lei diminuída, enquanto se abolem sentenças mínimas obrigatórias.” Isso não é de um enfadonho grupo de pesquisa. Isso é metal.

Essas letras de “Prison Song” prenunciam um futuro politicamente ativo para o System of a Down, banda de metal progressivo que eclodiu grandemente com o seu segundo álbum, de 2001, Toxicity. Os quatro armênio-americanos de Los Angeles estabeleceram uma presença maciça no rock moderno sobre a primeira metade da década de 2000. Este ano, eles já embarcaram em uma turnê especial chamada “Wake Up The Souls”, que terminará quinta-feira com a sua primeira performance da história juntos na Armênia – parte de um esforço global para chamar a atenção para o genocídio armênio, que chega a seu centenário aniversário este mês. (Turquia nega que os assassinatos em massa de armênios pelos turcos otomanos foram um genocídio).

Serj Tankian, vocalista e compositor principal do grupo, cresceu intimamente consciente do genocídio: todos os seus quatro avós eram sobreviventes, e ele ouviu as suas histórias em primeira mão, enquanto estavam vivos. Tankian se juntou ao Arun Rath do NPR para falar sobre como esse evento centenário tem ondulado em sua própria vida e música.

Arun Rath: Conte-nos sobre sua história familiar na Armênia – quando sua família foi embora, e sua conexão com a história de que estamos falando, o genocídio de 100 anos atrás.

Serj Tankian: Meu avô por parte de mãe sobreviveu através de orfanatos. Ele perdeu a maioria de sua família nos pogroms, e assim ele acabou em um orfanato americano na Grécia, e, em seguida, no Líbano. Minha avó do lado da minha mãe, e sua avó, foram salvas por um prefeito turco, que colocou sua vida em risco – porque na época, era um tabu tentar salvar a população cristã sendo massacrado, e as pessoas realmente iam para a prisão ou pior que isso. Os meus outros avós foram salvos porque havia essa ferrovia sendo construída por uma companhia ferroviária alemã entre a Turquia e Bagdá, que também fazia parte do Império Otomano na época. E então eles trabalharam na ferrovia, e foi assim que eles foram capazes de sobreviver.

Então, essas histórias incríveis, coloridas, mas trágicas que meio que cresceu conosco – isso é muito importante para nós. Algumas pessoas chamam de política; claro, há muitos aspectos políticos nisso. Mas porquê todos os quatro membros da banda são armênio-americano, é pessoal.

Nós tivemos o pianista armênio-americano Tigran Hamasyan no programa não muito tempo atrás para seu novo álbum, e ele estava falando sobre um dos efeitos da diáspora: Depois do genocídio, você teve sobreviventes de todo o país deixando-o e fixando-se nestas áreas muito pequenas. Culturas musicais de todo o país poderiam meio que ser comprimidas em um único espaço.

Na verdade, e devido à dispersão da raça armênia, nós temos todos esses diferentes sabores do mundo inteiro. Tigran é um grande amigo meu, na verdade – nós fizemos esse álbum Jazz-Iz-Christ juntos, que nós lançamos em 2012. Ele é um é um fenomenal, um fenomenal pianista de jazz e artista.

Você já tocou na Armênia sozinho, mas essa será a primeira vez do System of a Down. Você sabe como a música é recebida lá?

As pessoas são muito, muito animadas. System of a Down é provavelmente a maior banda que pode tocar na Armênia, não só porque existem fãs da música lá, mas um monte de pessoas têm sido fãs do tipo de trabalho político que a banda tem feito, ou do trabalho que tem a ver com a consciência do genocídio. Então nós temos um grande número de seguidores lá.

Você sempre carregou a sua própria posição política fortemente, ou isso é apenas uma questão na qual você teve de carregar?

A música do System tem sido muito diversificada tematicamente – Quero dizer que nós temos canções sobre fluxo de consciência, coisas divertidas, amor e todos os tipos de coisas diferentes – mas a política tem sido sempre uma parte do que fazemos. Às vezes nós entregamos isso em uma espécie de forma indiferente e fácil de digerir, palatável, especialmente em shows, mas há momentos em que somos muito diretos. Uma música como “Prison Song”, que é muito direta: Eu quero dizer, você olha para as letras, é basicamente escrever uma peça, um pequeno artigo ‘mini-haicai’, se você quiser. E isso é legal – ser capaz de encaixar informação como essa, que você realmente quer extrair em formato de música e ter as pessoas se lembrando disso e recitando isso de volta para você. É muito interessante, porque as pessoas raramente recitam artigos de volta para você.

Espero que essa não seja uma pergunta boba, mas você já tocou em toda a Europa, e eu sei que eles gostam de rock ‘n’ roll na Turquia. Você ou a banda já tocaram na Turquia?

Nós nunca tocamos. Nós, na verdade, tentamos fazer um show para essa turnê na Turquia através de um promotor que nosso agente trabalhou junto, e fomos informados de que por sermos o System of a Down, nós iríamos precisar de uma permissão especial do gabinete do primeiro-ministro. Nós apenas deveríamos ter dito que éramos o Metallica. Esperamos por pelo menos um mês ou dois, se eu estou lembrando corretamente, e nós nunca ouvimos nada de volta.

Não parece que o governo da Turquia chegou perto de reconhecer o genocídio. Eu não acho que o governo atual esteja muito diferente. Você acha que isso nunca vai acontecer?

Eu acho que isso acabará acontecendo sim. Mas você está certo, o atual governo de Erdoğan não chegou perto de reconhecer o genocídio – não apenas não chega perto, mas gasta milhões de dólares por ano com as empresas de lobby K Street nos EUA e muitos parlamentos diferentes ao redor do mundo para tentar espalhar a sua desinformação e dizer que foi o tempo de guerra e que as coisas acontecem, todos morreram, esse tipo de coisa.

Quando se fala de um genocídio, quando se fala sobre um holocausto, usando uma guerra mundial como um pretexto, isso se torna ofensivo acima de qualquer coisa. Então, eles estão fazendo isso, a criação de cadeiras universitárias em diferentes universidades, incentivando os estudiosos a escreverem desinformação, trabalhando com ‘think tanks’ [grupos de pesquisa] em Washington, D.C. para não só tentar ter grandes relações entre os EUA e a Turquia, mas também dissuadir o Congresso dos EUA de aprovarem uma resolução americana do genocídio armênio, etc. Ficaríamos felizes se eles parassem com a desinformação, antes de aceitarem isso, mesmo que seja um passo de cada vez.

Mas isso vai acontecer. Existe, na verdade, uma resolução no Parlamento turco criado por um partido curdo menor que tenta fazer com que o mesmo reconheça todos os crimes do passado, incluindo o genocídio armênio, especificamente, e pede ao presidente da Turquia no prazo de um ano para vir ao Parlamento e pedir desculpas por aqueles crimes. Agora, isso provavelmente não vai acontecer, pelo fato de os governos de Erdogan estarem em pleno controle do Parlamento, mas esses são sinais de esperança. E há uma sociedade civil forte se desenvolvendo na Turquia que está reconhecendo o genocídio, que estão empurrando o envelope, que estão se colocando no caminho do prejuízo e da prisão. Você pode ir para a cadeia por usar a palavra “genocídio” na Turquia.

E a palavra em si foi inventada em referência ao genocídio armênio.

Absolutamente. Raphael Lemkin, um advogado polonês judeu, cunhou o termo “genocídio” na década de 1930, olhando para trás, sobre o que aconteceu com os armênios durante a Primeira Guerra Mundial e vendo o que Hitler estava prestes a fazer na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

Então, sim, é muito interessante ver esse movimento. Há um movimento de não apenas o reconhecimento do genocídio, mas de democratização da Turquia – democratização real, não no papel.

Áudio da entrevista:

Nenhum comentário